A Marca da Maldade, de Orson Welles

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Por Ana Paula Laux – Zapeando pelas categorias do Netflix, encontrei aquele tipo de filme que sou apaixonada mas que é praticamente impossível achar nas grades de canais pagos hoje em dia: classicões das décadas de 30, 40 e 50 da Era de Ouro do cinema, aqueles filmes de máfia com James Cagney, as comédias com Tracy e Hepburn, os filmes noir com Bogart, etc.

O filme em questão é A Marca da Maldade, de 1958, dirigido por Orson Welles e com um elenco notável como Charlton Heston, Janet Leigh, Zsa Zsa Gabor e Marlene Dietrich, além do próprio Welles num dos papéis principais.

A Marca da Maldade foi lançado dezessete anos depois de Cidadão Kane, e trata da investigação de um assassinato numa cidade na fronteira do México com os Estados Unidos. O chefe de polícia mexicano Ramon Miguel Vargas, feito por um Charlton Heston com um bigode bem clichê, está em lua de mel com a esposa Susan, vivida por Janet Leigh (que ainda não tinha estourado em Psicose).

A explosão de um carro motiva a investigação inicial de Vargas, que descobre uma rede de corrupção dentro da própria polícia, envolvendo vários agentes da lei daquela região. Orson Welles, praticamente irreconhecível por estar muito obeso e com aspecto de homem idoso (ele tinha apenas 43 anos na época!), é o corrupto detetive Hank Quinlan, chefe de polícia que manipula provas criminais e compra o silêncio de quem for preciso na base da intimidação.

A atmosfera é típica dos filmes noir porém eu esperava mais do roteiro, que foi assinado por Orson Welles mas adaptado de uma obra de Whit Masterson, pseudônimo de uma dupla de americanos cuja marca eram os roteiros cinematográficos nesse estilão noir/detetive/crime/investigação.

Há frases e interpelações meio tolas, e a atuação sempre regular de Charlton Heston não acrescenta nada de espetacular ao filme, apesar de ele ser o nome mais importante do elenco. Talvez tenha sido um estigma na vida de Welles, tentar eternamente superar o sucesso de Cidadão Kane, considerado o melhor filme de todos os tempos pelo American Film Institute.

Por outro lado, as escolhas da direção podem ser mais determinantes para se chegar até o final. Sendo em preto e branco o filme já vem embalado num clima tenso, e Welles consegue valorizar muito bem esse estilo com um bom movimento de câmera, closes na hora certa (como nos olhos de Marlene Dietrich, a cereja do bolo no filme), tomadas de ângulo precisas, e ainda os momentos de silêncio perturbador como nos filmes europeus, sem aquela necessidade de preencher o vazio o tempo todo.

O mais curioso é que, pelo que pesquisei, o filme não foi todo editado pelo próprio Welles porque ele foi demitido pelos produtores no processo final de edição. A demissão resultou em corte de cenas, mas ainda acho que o estilo de Welles acabou permanecendo mesmo no filme reeditado. A trilha sonora, eu preciso dizer, é notável nos primeiros minutos. Pudera, porque é assinada pelo incrível Henry Mancini.

Apesar do roteiro não ter me convencido tanto, a mensagem do filme continua relevante mesmo que venha lá de 1958. Quantas vezes você viu na TV alguma notícia sobre corrupção na polícia recentemente? Filmes (e livros) que “conversam” com o público pelas décadas são os mais atraentes, porque falam sobre a essência da natureza humana (assim como os livros da Agatha Christie, as peças de Shakespeare), essa que não muda tanto assim porque tem coisas que o processo evolutivo leva tempo pra corrigir na raça humana… isso se houver correções para certos desvios de caráter.

Tempos atrás, o canal TCM exibia seleções diárias com filmes clássicos sensacionais. Hoje, só se acha esse tipo de filme para vender e em box especiais, coletâneas, ou alguns até no Youtube mas com qualidade questionável. Ou então na sorte, como eu achei, xeretando a grade escondida das joias do cinema no Netflix.

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