Investigação Olímpica, de Fernando Perdigão

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Atocha, Andrade! – Toda vez que um autor escala novamente seu personagem, um anjo suspira nos céus dos escritores! É um risco que nem todos querem correr. Afinal, se o tal personagem “funcionou” antes, já terá cumprido seu papel e poderá ficar num cantinho da memória do leitor. Se não passou no teste, segue direto para a aposentadoria, para o abismo do esquecimento literário. Fernando Perdigão já poderia dormir tranquilo no caso do detetive Andrade, protagonista de A Pedido do Embaixador (Record, 2015), e que se revelou uma grande surpresa. O adjetivo não questiona as qualidades do autor, mas remete à circunferência abdominal do personagem e seu peso naquele policial de estreia. Mas não é que Andrade está de volta?

Em “Investigação Olímpica” (Oito e Meio, 2016), o investigador mais bruto, preconceituoso e mal ajambrado das páginas brasileiras está com uma missão mais do que especial. Nomeado pelo secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, Andrade agora é o Comissário Olímpico, encarregado de operações durante a maior competição esportiva do planeta! Ao lado da diminuta Lurdes – a policial que o segue como um cão e que o venera como um ídolo -, o detetive vai viver uma cruzada quixotesca para garantir a segurança dos jogos e a obediência à lei. Custe o que custar.

Quem já o conhece pode esperar que dê carteiradas em delegações estrangeiras como se estivesse em batidas nos subúrbios cariocas, e que transforme ocorrências banais em incidentes internacionais. O homem é um ogro com um distintivo na mão e seu faro é projetado para a encrenca. Ninguém escapa dessa fúria, nem os manda-chuvas da organização, incluindo um dirigente cego!

Andrade – cujo ego deveria ganhar um CEP exclusivo – se deixa levar pela constelação de superlativos que acompanha os Jogos Olímpicos. Seu senso moral e sua arrogância contumaz sobem à estratosfera e, com isso, encarna a função como uma missão de vida e morte. Muda-se para a vila dos atletas na Barra da Tijuca e tenta manter o foco no trabalho, evitando se distrair nas curvas da amante Suely…

Acontecimentos aparentemente desconexos passam a agitar o cotidiano das delegações, e nosso rotundo herói enxerga neles um conjunto de atentados que pode resultar no “maior plano de desestabilização dos jogos olímpicos já engendrados no mundo”! Estamos diante de um complô internacional? De um criminoso serial? Um piriri pode ser mesmo um envenenamento em massa? Ferroadas de vespas são atos terroristas? Felizmente, o detetive Andrade está por perto. Afinal, vai que um grupo de nadadores americanos é assaltado num posto de gasolina…

Em mais um caso ordinário, o detetive Andrade espalha banhas e artimanhas que o tornaram uma lenda na polícia local. Muito por conta das ondas de choque derivadas de seus rudes gestos. As más línguas poderiam dizer que ele se contagiou com o espírito olímpico. Na verdade, apenas exibe com força o seu habitual espírito de porco. Por isso, a cada página, desafia os limites da nossa tolerância. Suas tiradas são sensacionais, um primor de grosseria, caprichosamente lapidadas a facão. As cenas hilárias arrancam gargalhadas inesperadas do leitor como se Andrade extraísse, com um cortador de unhas, o molar de um rinoceronte. Divertido, politicamente incorreto, ele é um desses personagens que ofuscam as tramas. Nesse caso, pela desenvoltura e espessura.

Apesar da galhofa, “Investigação Olímpica” aborda um tema muito interessante para os amantes do gênero policial: a intuição do detetive que se converte muitas vezes na certeza solitária do investigador. Quem mais acredita nas hipóteses de Andrade e Lurdes? Quantas vezes não embarcamos como testemunhas e cúmplices de raciocínios tortuosos e aparentemente malucos de Sherlock Holmes? Por essas e outras, “Investigação Olímpica” faz rir, mas também permite revisitar uma viga estruturante da catedral noir: o cérebro do detetive parece estar sempre à frente dos demais.

Nessa segunda aventura de Andrade, o passo em falso está menos na história e mais na edição do livro, recheada de erros ortográficos, de pontuação, de digitação e revisão. Nem mesmo o endereço da editora escapou! O romance saiu em maio, a três meses dos Jogos Olímpicos. Para aproveitar o entusiasmo nacional, os editores agiram como Usain Bolt, mas editar um livro é uma maratona e exige mais preparo que velocidade…

* Exemplar enviado pela Editora Oito e Meio

 

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olimpicaTítulo: Investigação Olímpica (2016)
Autor: Fernando Perdigão
Editora: Oito e Meio
Páginas: 258
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SINOPSE – O gordo, mal humorado e politicamente incorreto, o detetive Andrade, em sua mais nova aventura, é convidado a trabalhar em Olimpíadas fictícias que se desenrolam no Rio de Janeiro. Ele desconfia de uma série de mortes de atletas estrangeiros – por motivos fúteis como intoxicação alimentar ou a picada de uma espécie de vespa inexiste no Brasil – e passa a investigar as ocorrências contra a vontade de seus superiores, chegando a um desfecho imprevisível e cômico.

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