“Mar de Fora” mostra paraíso e inferno do delegado Fausto Areias

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Por Rogério Christofoletti – Pense num lugar incrível para se mergulhar e onde há sol e temperaturas agradáveis o ano todo. Pense também que é uma ilha, com praias incríveis, e pouco habitada, pacata e com jeitão de vilarejo. Imagine ainda que esse lugar fique a mais de 500 quilômetros de distância do continente, só acessível por lanchas ou aviões. Fala a verdade: é ou não é um paraíso?

Em “Mar de Fora”, romance de estreia de Marcelo Barros, a mítica Fernando de Noronha é o melhor local para se descansar e… praticar assassinatos. Que o diga o delegado Fausto Areias, despertado do marasmo e cercado de investigadores incompetentes ou acomodados. Ao contrário dos turistas que buscam o cenário para viver seus nirvanas pessoais, o titular da polícia civil não está por lá porque quer. Foi transferido após uma entrevista polêmica em meio a um controverso caso em Recife. Você pode até pensar que ficar de castigo em Noronha é uma punição das mais desejadas, mas o tédio e a amargura arrastam Fausto para “o caminho das águas”, e é com quantidades industriais de álcool que ele pacifica seus demônios.

Aliás, Fausto Areias entra em cena exatamente como uma espécie de homenagem a Raymond Chandler e a Leonardo Padura. Como um Mario Conde, desperta de um porre homérico, coberto de sangue e no meio do nada. Para piorar, não se lembra do que fez na noite anterior, e isso está se tornando um hábito. Para piorar ainda mais, chegam notícias de um brutal homicídio na sua jurisdição, e as circunstâncias que cercam o crime lembram muito ao caso de Recife, aquele que lhe rendeu o exílio em Noronha.

 

Com diálogos rápidos e bem cortados, “Mar de Fora” nos apresenta um protagonista ao mesmo tempo sofrido e bem-humorado, calejado e indisposto a aposentar.

 

Aos 52 anos, Fausto Areias sabe que é um policial mal aproveitado pelo estado. A politicagem dos superiores triturou sua carreira e o mandou servir no cu-do-Judas. O delegado está com sobrepeso, foi abandonado pela namorada, e sua reputação de bêbado já cobre toda a extensão do arquipélago. Ele arrasta sua carcaça cansada de bar em bar, mas seu faro continua apurado. Sua melancolia não chega a ser o latifúndio que preenche o coração do seu colega Espinosa, personagem criado por Luiz Alfredo Garcia-Roza. Até porque Fausto não combate o crime em Copacabana e charme, convenhamos, não é o seu forte. O delegado de Noronha não tem nem mesmo uma boa equipe como Espinosa. Henrique é um velho debochado, Cabelinho se preocupa mais com selfies do que a preservação da cena dos crimes, e Jeová tem o cínico apelido de Papa-Defunto. Resta Natália, conhecida de velhos tempos, “importada” da capital.

“Mar de Fora” é escrito por quem entende do riscado. Marcelo Barros foi delegado em Noronha por alguns anos, e é um estudioso do direito, com livros publicados que criticam a tortura policial. O conhecimento do cotidiano policial afasta o habitual artificialismo a que os autores “civis” recorrem em suas tramas. Ponto para o Marcelo. Além disso, cenas e movimentos fluem bem com a adoção de uma prosa fácil e cheia de coloquialismos. Há notas de rodapé que poderiam ser cortadas, mas isso pode ser feito nos próximos livros. Entretanto, já se percebe que temos um promissor autor policial na vitrine brasileira: tem o frescor do sotaque pernambucano, consegue moldar bons personagens e dá conta de um enredo não muito rocambolesco.

Marcelo Barros não poupa seus leitores das precariedades policiais desses nossos trópicos. Com isso, converte a areia da praia em ouro em pó. O improviso e a incompetência dos policiais ajudam a criar os momentos mais engraçados, e o livro tem muitos deles, oferecendo uma narrativa ágil, arejada e leve. “Mar de Fora” tem uma brasilidade muito bem-vinda, marcada nos coloridos cenários, nos personagens que flertam com o gênero picaresco e na amarrotada realidade nacional. Finalista do Prêmio Aberst 2019, “Mar de Fora” deve ser apenas a primeira ocorrência de seu autor numa esperada longa ficha corrida…

 

SOBRE O LIVRO

Título: Mar de Fora
Autor: Marcelo Barros
Páginas: 297
Editora: Escribas
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SINOPSE – Fausto, delegado da Homicídios, recebeu como punição, após uma controvertida entrevista, a transferência para Fernando de Noronha. Ele só não contava que sua vida sofreria mudanças tão profundas. Muito menos, que lidaria com um brutal homicídio ocorrido na Ilha, com características muito parecidas ao crime que ele investigava em Recife e foi a causa de sua punição. Obrigado a conviver com uma equipe não muito competente e com as dificuldades e monotonia peculiares a uma vida insular, Fausto descobrirá que “Paraíso” e “Inferno” podem confundir-se facilmente e terá que enfrentar as adversidades do “mar de dentro” e do “mar de fora”, sem garantias de sobrevivência.

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